28 março 2010

Você assistiu à nossa reunião pública?

28 março 2010

Neste domingo, 28/3, como faz todos os meses, a Meac foi responsável pela condução de uma reunião pública da Irradiação. Hoje, o palestrante foi nosso amigo Amarílcio Pereira, que falou sobre o tema "Jesus, o jovem e o trabalho assistencial". Assista já e comente de montão!

Chico - Um homem chamado amor

Nos 100 anos de Chico Xavier, médium é tema de filme. Quem o conheceu fala de sua bondade e humildade inabaláveis.
Renato Borges - O Popular (28/3/10)

     O gesto tornou-se paradigmático. O homem magro, de um moreno azeitado, sentado à mesa forrada de branco, colocava uma das mãos sobre os olhos e começava a redigir com a outra, em disparada. Na frente dele, uma pilha de papéis brancos, aguardando palavras consoladoras. E por horas a fio, ele as ia preenchendo, escrevendo sobre fatos, pessoas, intimidades que não eram suas, das quais não havia participado. Mas na pequena sala em que o transe ocorria, dezenas, centenas de corações apertados aguardavam apreensivos que uma das cartas lhes fosse endereçada. Por 75 anos, Francisco de Paula Cândido, o médium Chico Xavier, repetiu, incontáveis vezes, esse ritual. A psicografia, poder mediúnico em que os espíritas acreditam que uma pessoa tem a capacidade de receber mensagens dos mortos destinadas aos vivos, foi, talvez, a faceta mais conhecida deste homem simples. Ele, no entanto, tinha um poder ainda maior: o do exemplo.



     Nesta sexta-feira, dia 2 de abril, completam-se 100 anos do nascimento de Chico Xavier, uma das personalidades mais marcantes do País no século 20. Cultuado e admirado por multidões, atacado e enxovalhado por numerosos críticos, ele continua no imaginário coletivo brasileiro pelos mistérios que o envolviam em sua relação com o plano espiritual e também pela imensa obra de caridade que deixou. Para comemorar a data, será lançado na sexta, em circuito nacional, Chico Xavier – O Filme, do diretor Daniel Filho, que vai contar a vida do médium (veja reportagem na página 8). Uma trajetória repleta de percalços e dúvidas, de fé e ceticismo, mas que, incontestavelmente, legou exemplos poderosos de dedicação aos mais pobres, altruísmo, desapego a bens materiais e ausência de preconceitos. Isso angariou respeito de pessoas de várias religiões e crenças.

     São fartas as histórias de doação ao próximo protagonizadas por Chico Xavier. Ele ia a leprosários no tempo em que o diagnóstico de hanseníase significava o desterro para o doente. Durante sua vida, o médium psicografou mais de 400 livros, que venderam milhões de exemplares, mas abriu mão do dinheiro, preferindo doá-lo a instituições de caridade. Morava em uma casa simples, em Uberaba, no Triângulo Mineiro, onde atendia em um salão apertado, sem ar condicionado ou poltronas confortáveis, e dormia em um quarto franciscano, sem luxo algum. Na Casa da Prece, não cobrava nada pelos atendimentos. O lugar era de doação. Ficou famosa a sopa que servia aos mais pobres. Vivia com o necessário e não concordava com ostentações. Atendia o fazendeiro e o mendigo da mesma maneira. Chamava seus guias de “amigos espirituais” e afirmava não ter inimigos, apenas pessoas que se decepcionaram com sua inferioridade. A humildade era sua força.

Perdão incondicional
 
Chico Xavier psicografou carta em que vítima pedia que o acusado por sua morte fosse perdoado
 
     Que força move uma mãe a perdoar o homem acusado de envolvimento na morte de seu filho? Augusta Soares Gregóris conseguiu superar toda a sua dor para atender a um pedido muito especial. Em fevereiro de 1976, seu filho, o estudante de administração Henrique Gregóris, 23 anos, foi baleado e morto em um motel em Aparecida de Goiânia. Ele havia ido com um amigo e duas mulheres ao lugar. Em depoimento, o homem que estava no quarto disse que eles haviam brincado de roleta russa e que Henrique acabou levando um tiro no peito.



     O delegado do caso contestou essa versão, afirmando que houvera um assassinato, já que não teria sido Henrique a disparar a arma contra si mesmo e sim seu amigo. Vigorou a tese de que não fora um homicídio doloso, com intenção de matar, e sim um disparo acidental durante uma brincadeira, em que Henrique teria afirmado que “tinha o corpo fechado”.


Recado


     O suspeito foi indiciado e levado a julgamento. O tribunal decidiu absolvê-lo, o que causou revolta na família de Henrique, que apelou da sentença. Mas o caso não foi adiante. Antes que o processo tivesse prosseguimento, Augusta recebeu uma ligação. Era um velho amigo que estava na cidade, vindo de Uberaba, e que tinha um recado a lhe dar. Ela se encontrou com Chico Xavier, que viera a Goiânia a pedido de Henrique, seu filho morto.


     O recado era claro: perdoar o acusado de causar a tragédia. Em uma carta, a primeira de muitas que ele enviaria à família por intermédio de Chico Xavier, Henrique não eximia o suspeito da culpa, mas admitia que também fora responsável pelo ocorrido. Ele admitia que havia brincado com a vida, dando a entender que, de fato, pronunciou uma frase infeliz na hora errada.


Pedido


     Em 15 de junho de 1976, Augusta enviou uma carta ao advogado da família no caso, determinando que o processo fosse encerrado. “Apesar de haver solicitado a apelação da sentença do processo de morte de meu filho Henrique Emanoel Gregóris, um fato surgiu, trazido pelo nosso conhecido irmão Francisco Cândido Xavier, que deslocou-se até Goiânia atendendo o pedido de meu filho, que vive hoje no Plano Espiritual, para dizer, entre outras, a seguinte mensagem: perdão para o acusado. Consciente da veracidade do pedido, peço para retirar a apelação feita registrando com firme convicção o fato de que: meu filho, Henrique Emanuel, perdoa o acusado. Pedimos e agredecemos a vossa preciosa colaboração para o encerramento do processo.”


     Esta foi uma decisão difícil para toda a família do rapaz morto. “Nós perdoamos totalmente. Pusemos uma pedra sobre isso”, afirma a pianista Márcia Gregóris Sobrosa, irmã de Henrique, e que hoje cuida de Augusta, que ficou com a saúde frágil após um acidente. Este, porém, é um exercício constante de perdão. Márcia e seu marido, o engenheiro Mário Lúcio Sobrosa, não acreditam que o acusado do crime seja totalmente inocente.


     O Henrique pediu para perdoá-lo e só se dá o perdão a quem fez algo”, raciocina o cunhado da vítima. Mário Lúcio, após a absolvição do acusado, prometeu que iria buscar justiça até o fim. Mas a entrada de Chico Xavier em cena mudou tudo. “Com tamanha interferência, não havia como ser diferente”, reconhece ele. “Se fosse qualquer outro médium, nós ficaríamos em dúvida se deveríamos ou não abandonar o processo. Mas era Chico Xavier, não havia como duvidar.”


Intimidade


     De acordo com o casal, nas mensagens enviadas por Henrique, que superaram as duas dezenas, há menções a episódios que a própria família havia se esquecido, como o fato de o rapaz ter sido testemunha ocasional na cerimônia do casamento religioso dos pais de Mário Lúcio. Nas cartas, Augusta é tratada com o apelido carinhoso com que o filho a chamava, “véia”, e, em várias delas, ele recupera seu apelido familiar, Tim.


     “A assinatura é a mesma da carteira de identidade de Henrique”, diz o cunhado. Chico Xavier conhecia Augusta e seu marido Gastão havia muitos anos, ainda nos tempos em que o médium morava em Pedro Leopoldo, interior de Minas, onde começou seu trabalho. A família é de formação espírita e o pai de Augusta, Manoel Soares, foi amigo de Eurípedes Barsanulfo, médium de grande importância em Minas Gerais no início do século passado.


Aprendizado


     Márcia lembra que esteve muitas vezes com Chico Xavier em sua casa. Ela ressalta que a morte de Henrique foi um baque tremendo para sua mãe, que já era viúva. “Se não fosse o apoio que Chico Xavier deu, não sei como ela teria passado aquele momento.” Para Mário Lúcio, que se converteu ao espiritismo depois de conhecer a família da esposa, o episódio, apesar de muito doloroso, foi riquíssimo em aprendizagem.


     “O Henrique dizia que se nós não perdoássemos o rapaz acusado, isso prejudicaria seu crescimento no plano espiritual. Aquilo tudo significou uma evolução muito grande para todos nós no sentido de compreender melhor o que somos, o que viemos fazer aqui. Esse ganho espiritual foi muito maior do que a recompensa que poderíamos obter com uma condenação ou uma indenização pela morte do Henrique.”



Cartas e inocência
 
     Os argumentos da família de Henrique Gregóris foram acatados pelo juiz Orimar de Bastos, que encerrou o processo da morte do rapaz. O mesmo magistrado deliberaria sobre outro caso em que a participação de Chico Xavier foi decisiva. Ele presidiu o julgamento de José Divino Nunes que era acusado de matar Maurício Garcez Henrique em maio de 1976, no bairro de Campinas. Os pais do morto não eram espíritas, mas a mãe do rapaz foi a Uberaba.



     Em maio de 1978, Maurício enviou a primeira mensagem por intermédio do médium, inocentando o acusado. O pai da vítima só se convenceu com a segunda mensagem, de maio de 1979. As cartas foram anexadas ao processo e os pais de Maurício depuseram a favor do réu, que foi absolvido. Este é um raríssimo caso em que a Justiça aceitou mensagens psicografadas como provas materiais em um processo. O episódio inspirou uma passagem do filme sobre Chico Xavier, que estreia sexta-feira.


     O destino aproximou as histórias de Henrique e Maurício. “Nossa família morava em Campinas nessa época e minha mãe deu muito apoio à mãe do Maurício”, relembra Márcia Gregóris. “Quando recebia as cartas, ela pedia a opinião de minha mãe sobre tudo aquilo, sobre se devia mesmo acreditar.” Márcia se surpreendeu quando descobriu que havia sido professora de música do próprio Maurício, quando ele tinha 11 ou 12 anos, no Colégio Assis Chateaubriand, perto da Matriz de Campinas.


     A última mensagem de Henrique psicografada por Chico Xavier é de julho de 1983. Nela, ele presta uma homenagem à sua mãe. “À querida dona Augusta, hoje não chamo por ‘véia’. Pois em meu aniversário, mamãe é a minha tetéia. Márcia e Mário, vejam só! Nesta lembrança do Tim. Com tantos versos brilhando, meu recado está no fim. Henrique.”


Figura central no kardecismo
 
     Chico Xavier foi primordial na consolidação do espiritismo no Brasil. Essa é a opinião corrente entre os membros de entidades que professam a doutrina. “Ele foi importante em vários aspectos”, opina José Leopoldo da Veiga Jardim, Juquinha, presidente da Associação de Entidades Filantrópicas Espíritas do Estado de Goiás. “Kardec trouxe a filosofia do espiritismo, dizendo que havia um mundo espiritual. Chico, por meio dos livros psicografados do espírito André Luiz, mostrou a vida prática desse mundo, com detalhes específicos de como é o outro plano.”



     Para ele, Chico conseguiu transcender os sectarismos religiosos. “Ele confortou milhares de corações de pessoas que o procuraram em busca de um sinal de pessoas queridas que havaim morrido.” Na visão de Cauci de Sá Roriz, vice-presidente da Federação Espírita do Estado de Goiás, coube a Chico desmistificar a mediunidade. “Essa habilidade era vista como algo sobrenatural ou demoníaco. Chico mostra que este é um poder de todos, um sexto sentido natural, mas que apenas alguns percebem e desenvolvem. Chico provou que a mediunidade é, acima de tudo, um canal de fraternidade.”


     Ele pontua que a atuação do médium reforçou a ideia de que não é necessário haver hierarquias, de que somos todos irmãos. “Somos trabalhadores e, acima de nós, há Cristo. Há aqueles que agem de má fé usando o espiritismo, mas as pessoas sabem diferenciá-los.” A Federação tem cerca de 500 centros espíritas cadastrados no Estado, 160 em Goiânia.


     O pai de Cauci trabalhava com o médium em São Leopoldo. “Certa vez, o acompanhei em uma visita ao Carandiru. Foi marcante e significou a remissão de muitos que estavam ali.” Os presidiários formaram um coral e cantaram para a visita ilustre. “Ele, já com mais de 70 anos, atendeu e conversou com todos. Ele era só misericórdia.”


     Juquinha, que presidiu a Irradiação Espírita por 12 anos, revela que o nome da entidade foi sugestão de Chico. “Ele disse que o doutor Bezerra de Menezes havia pedido para colocar esse nome.” Também foi o médium mineiro quem deu as orientações para que a instituição adotasse o kardecismo, deixando a linha da umbanda, em 1962. “Sua grandiosidade estava nos pequenos gestos”, completa Juquinha.




Fazer o bem, sem olhar a quem
 
Internos da antiga Colônia Santa Marta são gratos a Chico Xavier pelo carinho que receberam do médium
 
     Um toque, um sorriso, um abraço sem temor. Para quem tinha hanseníase alguns anos atrás, gestos de carinho faziam parte de um sonho. A realidade da lepra era bem outra. Na antiga Colônia Santa Marta, hoje Hospital de Dermatologia Sanitária e Reabilitação, na região leste de Goiânia, como em muitos outros locais construídos no passado para apartar os enfermos da sociedade, o desespero da doença se misturava à terrível certeza de que nunca poderiam ser afagados. Nunca?



     No dia em que Chico Xavier pisou naquele lugar de desesperos e condenações, a vida se abrandou. “Ele dizia que, como ele havia vencido tantas coisas ruins, a gente também tinha de vencer nossas dificuldades”, diz Tereza Ribeiro Arruda, 88 anos, que mantém dentro do complexo, hoje infinitamente mais humanizado, o pequeno centro espírita Cristo Consolado, com sessões às quintas e domingos.


Saudade


     Quem limpa o espaço é Zilda Aparecida de Souza, 66 anos, que se empolga quando descobre que o assunto é Chico Xavier. “Ele chegava na porta da colônia e descia com aquela energia boa. O primeiro lugar em que entrava era no hospital. Cada pessoa que encontrava, ele punha uma quantia na mão, mas ninguém podia ver quanto”, relembra. “Na saída, era a tristeza, a saudade, mas a gente já tinha o que lembrar”, acrescenta.


     De acordo com ela, Chico costumava comentar que, em suas visitas, havia muito mais gente do que as pessoas poderiam enxergar. “Ele dizia que aqui era cheio de espíritos. Dizia que São Francisco o esperava em suas visitas. E ele chorava.” No centro espírita da colônia há uma foto do médium. “De vez em quando eu sento aqui e fico conversando com ele pelo retrato. Posso estar muito mal, mas, depois disso, vou embora leve para casa”, garante Zilda.


Bálsamo


     Quem teve a chance de receber a visita de Chico Xavier assegura que sua presença era um bálsamo para as feridas. As lesões costumavam melhorar após sua passagem pelas enfermarias. Mesmo com o tumulto que se formava em suas visitas, com centenas de pessoas querendo estar perto dele, Chico não perdia a calma e percorria cada quarto, dava uma palavra de esperança a cada interno. “Tinha dias que eu ficava revoltada demais com a doença. Ele chegava e dava conselhos e eu ficava alegre com as palavras que dizia. Falava que, apesar de tudo, a gente devia continuar lutando. Eu guardei muitas mensagens dele”, diz Rosalina Costa, 62 anos. Segundo pessoas que presenciaram essas visitas, Chico não se importava com as pústulas que a hanseníase causava na época em que não tinha tratamento satisfatório. Abraçava e beijava a todos, sem temor.


     Dona Damásia Sousa, 82 anos, conversou com Chico todas as vezes em que esteve na antiga Colônia Santa Marta. “Ele dizia que a gente jogava junto”, repete, orgulhosa. Ela ganhou do médium o alívio para um de seus tormentos. “Eu tinha uma dor de cabeça que não passava. Ele me pegou, chacoalhou minha cabeça e nunca mais tive nada.”


     Damásia se lembra de um cachorro que morava por ali e que Chico adorava. Aliás, todos se lembram do bicho, que se chamava Menino. Zilda era a responsável por cuidar do cão. “O Chico chegava e acariciava esse cachorro, que ficava do lado dele o tempo todo. Ai se o Menino não estivesse do lado dele.” Todos queriam estar ao seu lado. “Na primeira vez que a gente se viu, Chico me disse que já me conhecia havia muito tempo”, alega Tereza Ribeiro. “Era assim que ele ensinava sobre o espiritismo.”


Grande amiga em Goiânia
 
     Por diversas vezes, Chico Xavier esteve em Goiânia, visitando amigos e obras de caridade. Uma das pessoas mais próximas do médium na cidade foi Elba Consorte, que ajudou a criar o Centro Espírita Jésus Gonçalves, na Vila São João, em Senador Canedo, próximo à antiga Colônia Santa Marta. “Ele me disse que quem havia pedido para fazer o centro foi o doutor Bezerra de Menezes”, conta ela, referindo-se ao médico cearense que precedeu Chico na difusão do kardecismo no País.



     Elba conviveu com o líder espírita por mais de 40 anos, indo regularmente a Uberaba e até participando de sessões ao lado do amigo. “Eu ficava perto dele e aprendia com os conselhos que dava aos outros. Nem precisava perguntar nada.” Ela confidencia que Chico Xavier apreciava a ambrosia que ela preparava.

Despedida


     Na última vez em que estiveram juntos, uma semana antes de sua morte, em junho de 2002, ela levou o doce para o velho companheiro. “Ele me ligou aqui numa sexta-feira, 11 da noite, dizendo que precisava conversar comigo. Eu disse que ia no dia seguinte. Fiz o doce e peguei o voo para Uberaba. Almoçamos, ele comeu a ambrosia e me disse que seus amigos espirituais disseram que iam levá-lo. Seria no dia da final da Copa e o País estaria em festa”, relata a amiga.


     “Ele se sentia muito feliz porque estava cansado de trabalhar. Ele me pediu para arrumar a roupa com que seria velado e sepultado. Separei um paletó marrom, uma camisa com listras, uma calça marrom. Chico disse que queria ser enterrado de boné e óculos e que eu devia transmitir o recado para a empregada da casa, a Dinorá.”


     De acordo com Elba, Chico Xavier perguntou se ela iria ao seu velório. “Eu disse que não. Queria ter dele uma lembrança viva.” Essa lembrança está na sala de costura de seu apartamento, no Jardim Goiás, onde duas mulheres trabalham em roupas que serão doadas a asilos e sanatórios. Na parede do cômodo, uma grande foto de Chico, dando adeus, risonho, com um boné presenteado por Elba.


     “Eu converso com o retrato e ele me responde”, assegura. A foto foi tirada quando o médium já estava com quase 90 anos e mostra sua debilidade física. Mas o sorriso é radioso. A foto transparece paz. “Ele me ensinou a ter calma, coragem para enfrentar os problemas, a ter fé nas preces a Jesus, a ter alegria na caridade. Chico Xavier foi um presente de Deus”, resume a amiga.


Para a dor, o alívio
 
     Um dos casos mais espantosos envolvendo um interno da antiga Colônia Santa Marta e Chico Xavier ocorreu com Joana Conceição, 77 anos. “Eu havia mandado uma carta para ele falando de um filho meu que tinha problemas com bebida e estava doente. Chico me mandou um livrinho, uma flor linda e uma carta, dizendo que a cura do meu menino estava próxima, que ele ia ficar bem, que era para eu ter amor e esperança”, narra.



     “Pouco tempo depois parou um fusca branco aqui na Colônia e me entregaram um pacote de presente grande, que o Chico havia mandado. Meu marido queria abrir, mas eu não deixei. Um dia depois, meu filho morreu. Fui ao IML pegar o corpo e levei o pacote. Só o abri lá e dentro tinha um terno completo para enterrar meu filho. Era paletó e calça azul escuro, meias azuis e uma gravata preta. Meu filho estava em paz.”


     Dona Joana não chora ao contar a história. Ela sorri em gratidão ao homem que tanta diferença fez em sua vida e que lhe deu força para suportar numerosas perdas. Dos 9 filhos naturais e 12 adotados que teve, ela perdeu 19. Só restaram dois. A única mulher que sobreviveu estava muito doente até poucos dias atrás. Está melhor. “Rezei para Chico interceder.”


     Para Joana, Chico Xavier significa bondade. “As pessoas se abraçavam quando ele estava perto. Eu me senti muito feliz nas vezes em que fiquei do seu lado.” No seu quarto limpinho há uma joia, um exemplar da publicação Serve Com Deus. Nele, uma dedicatória de Chico, com data de 23 de junho de 1979: “À querida irmã Joana Conceição Mateus, com grande abraço do servidor seu conhecido, Chico Xavier.”

Cantinho de Chico Xavier
 
Chico ajudou a criar centro espírita em Goiás. Biógrafo do médium fala sobre filme que estreia sexta-feira
 
     A Vila São João, em Senador Canedo, melhorou muito com o tempo. O bairro, agora, tem asfalto, está todo habitado e, principalmente, não é mais um local estigmatizado. Quando suas primeiras casas foram erguidas, os habitantes eram ex-pacientes da Colônia Santa Marta e o preconceito com a hanseníase os perseguia. Foi ali, onde poucos queriam ir, que Chico Xavier pediu que o centro espírita Jésus Gonçalves, nome de um médium paulista que sofria de lepra, fosse construído.



     Na casa simples, Chico esteve várias vezes e ali chegou a psicografar cartas e mensagens. O centro permanece funcionando. No espaço há um salão para os encontros, uma sala de costura, uma cozinha e um espaço de evangelização. O local beneficia cerca de 80 pessoas e serve de 60 a 70 sopas por semana, além de ter 30 crianças inscritas em atividades.


     O centro fica no terreno que foi de Maria José Mendes e seu marido. “Antes, eu fazia a reunião em minha casa e o Chico apareceu. Só não sabia se era um espírito encarnado ou não.” Alguns anos depois, ela pôde vê-lo pessoalmente, sempre assediado por uma multidão de pessoas que queria falar com ele, tocá-lo. “Antes de esse local ser construído, a gente chegou a fazer reuniões debaixo de um pé de jatobá”, recorda Nelma Aparecida Miranda, outra integrante antiga do grupo.


     Às quintas à tarde, eles realizam uma sessão para o pessoal da comunidade, em que dão lanches e doces. Na última quinta, cerca de 40 pessoas estavam sentadas pelos 25 bancos de madeira do salão. Na época de Chico Xavier, esses bancos eram azuis, assim como as paredes. No barracão, há uma foto do médium e outra de Jésus Gonçalves, além de uma imagem de Cristo.


     Sobre a mesa, coberta por uma toalha branca rendada, pequenos pedaços de papel denunciam a urgência de amparo de alguns dos frequentadores. “Eles colocam os nomes de quem precisa de alguma graça e os espíritos vão verificar a missão de cada um e se a estão cumprindo. Quem merece, é atendido”, explica Maria José. “A diferença entre o mundo espiritual e o nosso é que lá não se esconde nada de ninguém.” Adelina Tostes de Oliveira, 76 anos, é uma das mais antigas do centro. Recorda-se de Chico com emoção. “Ele era uma humildade só. Tenho muitas saudades.”


     Nelma fala de uma postura que Chico teve em muitos momentos. “Ele beijava as mãos das pessoas até que seus lábios sangrassem. Quando lhe perguntavam porque ele fazia aquilo, Chico dizia que beijava as mãos porque não conseguia se curvar para beijar os pés.”


Perfil biográfico
 
     Nascido em São Leopoldo, Minas, Francisco de Paula Cândido ficou órfão de mãe aos 5 anos de idade. Quando tinha 17, viu sua irmã ser curada após preces espíritas. É quando começou a estudar a doutrina e a frequentar sessões. Em 1931, teve a visão de Emmanuel, o espírito-guia que lhe acompanharia por toda a vida, ensinando a humildade e a caridade. No ano seguinte, publicou Parnaso de Além-Túmulo, seu primeiro livro, uma coletânea de 59 poemas assinados por 14 autores conhecidos, como Castro Alves e Augusto dos Anjos.



     Em 1939, começou a psicografar textos de Humberto de Campos, cuja família moveria um processo cobrando direitos autorais. Aos 30 anos, ficou gravemente doente. Seu primeiro grande sucesso foi o livro Nosso Lar, que vendeu quase 1,3 milhão de exemplares. Com a saúde frágil, contraiu tuberculose e precisou ser operado de uma hérnia. O pior revés ocorreu em 1958, quando seu sobrinho Amauri Xavier Perna, que também psicografava, assumiu que seus textos eram fraudes, acusando o tio de fazer o mesmo. O escândalo obrigou Chico Xavier a se mudar para Uberaba em 1959. Seu prestígio foi refeito e ele viajou aos Estados Unidos para difundir o espiritismo.

     Os problemas de saúde continuaram a atormentá-lo. Ele fez um tratamento oftalmológico no exterior e se submeteu a uma cirurgia na próstata. Em seguida, sofreu de hipotensão e teve uma crise de angina. Muitas celebridades e políticos passaram a visitá-lo. Uma de suas decisões mais criticadas foi ter declarado apoio ao candidato Fernando Collor de Melo nas eleições presidenciais de 1989.


     Em 1995, Chico teve um efisema pulmonar e ficou com apenas 35 quilos de peso. Apesar de todos os problemas de saúde, ele nunca deixou de atender as pessoas em sua casa, de apoiar obras de caridade e de psicografar. Fazia questão de dizer que jamais escreveu nada, dando o crédito aos seus amigos espirituais. Morreu em 30 de junho de 2002, dia em que o Brasil ganhou sua 5ª Copa do Mundo de Futebol, aos 92 anos. Na véspera, atendeu as pessoas que foram à Casa da Prece, em Uberaba.

Então, o que você achou dessa super-reportagem??? Quantas histórias curiosas sobre o Chico, né? Quantos exemplos!!! Clique em "comments" e registre um comentário seu sobre o que você achou da matéria e sobre o que tem descoberto sobre a trajetória de Chico Xavier.